O último fim de semana do mês de setembro de 2012 ficará marcado pra sempre na história.
Todos nós, viciados neste tubo de raios catódicos chamado televisão, perdemos um pedaço importante da alma da TV com a morte de Hebe Camargo.
Existem pessoas especiais que simbolizam coisas especiais para nós, meros mortais. Hebe sempre representou alegria.
“Mas e aê Dello? Seu blog é de esportes ou agora virou anexo da Sônia Abrão? Vai ficar falando de famoso que morreu?”
Não não, não vou falar da Hebe, nem teria capacidade para tal. Mas vou falar sim da alegria, que deveria estar sempre presente nos esportes e que, no futebol, morreu um pouco mais neste fim de semana.
Já não é de hoje que eu falo: está muito chato torcer pra futebol no Brasil. Nada mais é permitido, pois existem imbecil profissionais espalhados por aí (nas arquibancadas, nos campos ou de colete à prova de balas) que se dedicam apenas a fazer do espetáculo um problema.
Neste fim de semana em especial, percebemos que aqui não há mais espaço para alegria com torcedores, com jogadores e nem mesmo na relação entre um e outro.
E a culpa é também de todos nós, que supervalorizamos uma bola que corre na grama durante todos estes anos, e agora convivemos com um “monstro do entretenimento” que ofende, fere e mata pessoas.
Tudo aqui, onde “futebol é coisa séria”.
No Pacaembu por exemplo, jogaram Corinthians e Sport. O jogo terminou 3x0 pro Corinthians e até aí nada de anormal.
O que quero falar sobre esse jogo aconteceu fora das quatro linhas.
Um torcedor foi hostilizado no setor de cadeiras cobertas (onde supostamente ficam as pessoas mais abastadas e civilizadas) e teve de ser retirado dali por estar vestindo uma camisa do Celtic da Escócia.
A camisa do Celtic é verde e branca e a torcida corintiana “não estava conseguindo conviver tão próxima a essas cores” (ui, meu Deus, que afronta).
Gente, na boa, aquela brincadeira de não usar cor de rival é válida, valoriza a rivalidade sadia e é até divertida pra efeito de piada. “Não permitir” a presença de alguém com cores diferentes é coisa de idiota.
“Ah, mas provoca a ira...” dos idiotas. Se você concorda que o cara não pode usar uma camisa que tenha cor verde em jogo de time de cor azul, você também é um idiota.
A “seriedade” que se dá ao futebol tira, e muito, a alegria do torcedor em acompanhar o esporte. Não se pode elogiar um golaço adversário. Não se pode admirar a qualidade técnica de um jogador adversário. Não se pode usar uma roupa que lembre um adversário.
“Futebol é coisa séria”, dizem uns. “Falta respeito com o MEU clube”, dizem outros.
E cada vez menos o chamado “torcedor comum”, aquele de boa índole, vê motivos para ir aos estádios, hoje dominados pelos “torcedores profissionais”.
Falta alegria entre torcedores, falta alegria entre jogadores.
Em Porto Alegre, no empate entre Grêmio e Santos, mais uma vez rolou o “show do massacre ao Neymar”.
“Ah, mas você quer o quê? Que a torcida adversária apoie o cara? ‘Vai Neymar, faz um gol no meu time’. É isso?”
É óbvio que não. O problema são as proporções que isso está tomando. Tem tanta gente querendo reforçar a opinião de que o moleque “não é tudo isso” que a torcida passa a ser contra o Neymar, e não contra a equipe que o mesmo representa.
Vira algo pessoal contra o que temos de melhor por aqui.
Se cada um dos que vaiam Neymar refletir um pouco sobre seus motivos, perceberá que é um grande babaca.
E até aí só falei de torcida por ter o exemplo do Neymar. Mas podemos falar também dos árbitros, que em campo lembram em muito a despreparada polícia brasileira, com quem não se pode conversar.
Nem mesmo sobre as pancadas que se leva em campo.
Como o jogador vai atuar com alegria sob o açoite de um cara, com um apito na boca, que se acha Deus?
A hostilidade, o autoritarismo e a violência fazem do futebol que se pratica aqui isso aí que vemos hoje. Jogadores que se escondem da marcação, mestres no passe de três metros pro lado. Lateral fecha lateral, volante fecha meia.
Até nas entrevistas, que tiveram seu auge nos anos 80 e 90, falam, falam, falam e não falam nada.
“Com certeza vamos trabalhar aí durante a semana porque temos um jogo muito importante no fim de semana onde vamos sempre respeitando o adversário mas também sempre em busca dos três pontos” (assim, sem vírgulas mesmo).
Ninguém arrisca, ninguém dá a cara. Quem tenta é firuleiro, moleque. E aí a filosofia de Muricys, Tites e Manos vai se consolidando como “futebol vencedor”.
“Alegria de ver um jogo? Que nada. Alegria é ganhar, isso sim”, dirão aqueles que não comemoram as vitórias, sentem alívio.
Temos os jogadores cagões de hoje porque merecemos. Ou melhor, porque exigimos.
Jogador não tem que jogar com alegria, nem transmitir isso pra torcida. Tem que fechar o meio de campo, levantar na área e marcar um a zero.
Senão, prepare-se para a fúria das arquibancadas.
E não, o ódio presente no futebol brasileiro não está concentrado no Neymar. Antes fosse.
Em Curitiba, neste mesmo domingo, tivemos o maior absurdo do ano no futebol.
Parte da torcida do Coritiba se revoltou contra uma torcedora mirim que ganhou de presente uma camisa do são-paulino Lucas. Também sob o pretexto de um desrespeito a instituição Coritba.
Não interessa se a menina gostava do Lucas, do jeito que o menino joga, dos gols. Ela está na torcida do Coritiba, portanto impedida de admirar algo que não vista verde e branco.
A reação foi tão doentia que nenhum dos imbecis imundos se deu conta que se tratava de uma criança acompanhada pelo pai, e se empenhou a arrancar com toda a força aquela camisa pertencente a um rival nessa guerra chamada futebol.
Enojou, muito.
Não é estranho portanto perceber o quanto as pessoas vão perdendo o tesão em trabalhar com esporte no Brasil.
Simplesmente porque aqui, pra muitos, não é esporte.
O futebol por muito tempo foi colocado como um anestésico forte para um povo sofrido.
Hoje este povo é dependente.
E o futebol é a válvula mais conhecida para gente frustrada despejar suas decepções.
Minha vida tá uma merda, mas o Flamengo ganhou do Vasco.
Precisaremos chegar ao limite extremo de tudo isso para repensar o que queremos de um esporte.
Só aí, talvez, o futebol volte a ser uma grande festa popular.