quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Não é só por R$ 0,20

Não querendo pagar de “vivido”, mas rapaz, vou te dizer um negócio. Na vida, tem certas coisas que são muito importantes.

É importante você dar sempre o devido valor à sua família, à sua companheira ou companheiro e aos seus verdadeiros amigos, por exemplo.

É muito importante que você cuide bem da sua saúde. Como diz minha vó, “se você cuidar bem, seu corpo dura a vida toda”.

É importante também você ter um trabalho que, mesmo se não for aquele dos seus sonhos adolescentes, te engrandeça de alguma maneira, te dê uma condição de vida bacana e, na medida do possível, te faça feliz.

Assim, você terá quase tudo o que é preciso pra construir uma bela história de vida e evoluir como pessoa em todos os sentidos. Fica faltando só uma outra coisinha imprescindível pra te afastar do risco de se tornar um babaca engolido pelo sistema.

Você precisa conhecer, entender e respeitar suas raízes. Precisa ter clara em mente toda a história daqueles que proporcionaram que você estivesse aqui, hoje, nas atuais condições.

Falando especificamente de futebol, temos nossos clubes. Instituições que são enormes, possuem uma história que não pode ser mensurada em números.

São bandeiras que impactam o País e mobilizam milhões porque são gigantes, construíram um século de história para terem esta condição.

E como sabemos que uma porcentagem ínfima de pessoas consegue ultrapassar um século de história, podemos concluir que ABSOLUTAMENTE NINGUÉM que passa por um clube pode se considerar maior que o mesmo.

Sendo assim, quem chega tem obrigatoriamente que se adaptar a história da instituição. Nunca o contrário.

Imagine alguém que vem ao Flamengo e decida que o time não tem que ligar tanto pra torcida; no Grêmio e seja contra jogadas mais fortes; ou no Santos e implante um conceito de prioritariamente se defender.

Não pode. É desrespeitoso com aquilo que estes escreveram durante todas estas décadas.

Porém, nos últimos tempos, a “modernização”, os “novos recursos” e as “influências europeias” fizeram os nossos novos administradores, reis de palestras e powerpoints, perderem um pouco do parâmetro dessas coisas.

Eu tava esperando algo grande e bastante comentado acontecer pra falar disso.

Aí veio o Pato ontem e me abriu esse “espaço”. Portanto, vamos falar especificamente do caso do Corinthians.

Já não é de hoje que o Corinthians vem “maltratando” algumas tradições em prol da tal modernização.

Tem-se notícia de ingressos de jogos do “time do povo” na Libertadores que custaram um salário mínimo.

Desde o retorno pra 1ª Divisão em 2009, o Corinthians inovou com trabalhos de marketing que reforçaram o conceito de apoio incondicional da Fiel.

Foi um sucesso.

Ganhou títulos importantes com Mano Menezes e criou grande expectativa pro ano do centenário, quando um “acidente de percurso” (chamado Moacir) impediu o melhor líder daquela Libertadores de realizar o sonho de conquistar a América num ano tão histórico.

A torcida sofreu, “entendeu” e no embalo do “nunca vou te abandonar”, engoliu a seco o gol de Love.

Veio o Brasileiro. E o time favorito ao título não pegou nem vice. Outro jogo vexatório, agora contra o Goiás, colocou o Timão na condição de disputar a famosa Pré-Libertadores.

E novamente a moda do “vivemos de Corinthians” impediu que a torcida cobrasse o elenco como em outros tempos.

Aí veio a tal “Pré”, contra um tal Deportivo Tolima, que nada mais é que um “ABC-RN que come abacate e lê Gabriel García Marquez”. 

Como você bem lembra, tivemos aqui um dos maiores vexames brasileiros na história da competição.

E aí a galera não aguentou.

Cerco aos jogadores, pedras nos carros, BAMBU NO ÔNIBUS. Era o “povo” apertando o “time que é seu" como nos velhos tempos.

A ação foi totalmente contra o que o marketing corintiano tentava vender.

“Não gente, não pode. O corintiano tem que apoiar, apoiar e apoiar. Não importa o que aconteça. Aqui é Corinthians.”

Então amigo, não é bem assim.

O corintiano é historicamente famoso por apoiar o time contra qualquer tipo de desafio ou adversário. Lotariam um estádio acreditando na vitória mesmo se seus reservas enfrentassem a Seleção da Alemanha.

Com esse tipo de apoio incondicional o jogador alvinegro sempre contou.

Agora, é o seguinte, na mesma medida que vinha o apoio externo, sempre veio também a cobrança interna. Por vezes a interna era até maior (né não Edilson?).

A engrenagem era essa: o clube é do povo; o povo “ia” ao clube; deixava bem claro para o time a importância do clube; e após assegurar-se de que tinham ali uma equipe completamente comprometida com a entidade, iam junto com os caras até o inferno.

Após o episódio das bambuzadas no busão, a corja do Roberto Carlos foi embora, ficou quem realmente tava fechado com os caras e o resultado veio com um título Brasileiro, a tão sonhada Libertadores da América e um Mundial de Clubes.

Quando voltou a agir como Corinthians, voltou a ganhar. 

Numa conta simples de 2+2.

Acontece que, após conquistar o planeta e passar a olhar o mundo de cima, todo mundo (eu disse TODO MUNDO) que faz parte deste processo esqueceu das funções básicas que fazem essa máquina girar.

A direção se viu no direito de transformar o Corinthians em “marca premium”.

"Harlem Sheik". É...
Os jogadores (e treinador também) se viram na condição de não mais aceitar cobranças.

E a torcida ainda se divide graças aos muitos que não acham certo apertar “quem venceu tanto pelo clube no passado”.

Foi a nova postura da direção que fez com chegasse uma estrela internacional totalmente descompromissada (talvez até por ignorância mesmo) com tudo o que o clube envolve.

Foi a nova postura do grupo que possibilitou que este jogador se sentisse à vontade para se colocar na condição de intocável adquirida pelos campeões do mundo.

Foi a nova postura da torcida que deu a este jogador a “confiança” para tratar a principal bola do principal campeonato disputado pelo Corinthians no segundo semestre, coma displicência e irresponsabilidade de quem está batendo um pênalti num Amigos do Ronaldo x Amigos do Zidane.

E assim tudo o que fez do Corinthians um clube tradicional até hoje foi sendo deixado de lado num ano cheio de prejuízos.

Como podem ver, o pênalti que Pato desperdiçou ontem à noite é só a ponta de tudo o que já vinha sendo desconstruído a meses.

Apenas explicitou que a coisa tá totalmente “acoxambrada” e que eles não estão lá muito preocupados com isso, já que sabem que a Fiel “nunca vai lhes abandonar”.

Agora que a vaca de 2013 foi pro brejo, todos os envolvidos têm direito a livre escolha.

Podem seguir buscando a “Chelsealização” da instituição Corinthians e fazer do clube uma grande caixa registradora que só faz girar dinheiro vindo de marketing, TV, contratações.

Ou podem voltar às suas raízes, tudo aquilo que fez dele o que é, se reencontrar e buscar um 2014 melhorzinho, né?

Continuar com as coisas do jeito que estão pode passar a impactar gravemente a identidade do clube.

E aí o Corinthians pode perder coisas muito maiores que um pênalti de cavadinha.