Já ouviu falar naquele papo de que você deve sair de um
lugar deixando as portas abertas pra uma possível volta? Não é conversa mole
não. É importante de verdade.
Quando se fala em treinador de futebol, nosso tema de
hoje, então, é primordial.
Sempre que Abel Braga estiver sem emprego, o
Internacional estará pronto pra acolhê-lo. O mesmo serve para o Cuca no
Fluminense ou para o Tite no Grêmio.
Mais do que respeito, competência, resultados e gratidão
(obrigatórios pra qualquer ser humano em qualquer área) a consideração com a
história do clube onde se trabalha é o que faz da instituição “uma casa pra
onde o cara sempre poderá voltar”.
E a falta disso faz exatamente o contrário.
Muricy Ramalho sempre focou apenas em entregar
resultados. A todo custo.
Quando eles paravam de aparecer, a falta das outras
qualidades fazia dele automaticamente um peso para todos do respectivo clube.
E assim, até hoje, sua volta nunca foi desejada por
nenhum ex-clube.
Muricy sempre se definiu um “trabalhador da bola”. O cara que coloca o esforço em campo, o suor, a superação física combatendo o adversário por vezes superior. Surfou por muito tempo na onda deste fenômeno terrível que chegou ao futebol brasileiro, a gauchização.
“O que adiantava ter jogado o bolão que jogamos em 82,
86 e 98, se quem ganhou foi o jogo firme de 94 e 2002?”, perguntavam-se os
brasileirinhos fascinados com o modelo europeu.
E o futebol 94-2002 sempre foi a especialidade de
Muricy.
São Caetano, Internacional, São Paulo, Palmeiras,
Fluminense, Santos.
Todos, sem exceção (e não por coincidência), tiveram seu grande momento técnico neste
milênio logo antes ou depois de Muricy ter passado por lá.
Nunca durante.
E assim, por ser um dos mais eficientes “extratores de
suco” do País, ficou mais valorizado que os “cultivadores da fruta”.
Mas quem é do agronegócio sabe (e quem não é também,
aliás qualquer idiota sabe) que não se pode colher frutos de uma plantação sem
deixar por lá novas mudas. Pelo simples motivo de que uma hora o caldo da fruta
que você plantou vai acabar, e você não terá mais o que colher.
Extasiados pela oportunidade de ter consigo uma
máquina que extrai 100% do suco de cada fruta, os clubes supra citados foram
iludidos pela ideia da “otimização de resultados”, pagaram caro para te Muricy,
e ficaram com uma fruta seca na mão ao final do contrato.
Muricy não mente quando diz “aqui é trabalho”.
Até porque deixa um trabalho muito maior pra seus
ex-clubes depois que vai embora.
Voltar do começo e plantar tudo de novo.
Isso se alguma terra fértil tiver resistido ao período
de falta de cuidados.
Muricy seguirá seu caminho, em busca de mais um campo
verde, de frutos brilhosos, onde possa novamente mostrar toda a força do seu
lado “espremedor de laranjas”.
E agora é a vez do Santos, último empregador, tentar
molhar e adubar essa plantação, pra que no futuro, quem sabe, volte a possuir
terras iguais aquelas das novelas rurais da Globo.
Foices e pás nas costas, alvinegros vão à uma luta que
não precisava ser necessária.
Bastava ter optado sem a cabeça do agricultor ganancioso capitalista, lá atrás.
Agora, aqui na Baixada é retrabalho, meu filho!