Pronto.
Agora que tudo está oficializado (pra desespero das máquinas de boatos) posso enfim falar seriamente sobre a ida de Neymar pra Europa. Ontem ele fez (provavelmente, já há quem fale em uma tentativa de jogo na Vila antes da ida) sua última partida com a camisa do Santos antes de partir.
Hoje assinou o contrato com o Barcelona e vai jogar ao lado do Messi, do Xavi, do Iniesta, do Daniel Alves e de toda aquela galera lá que vocês estão cansados de conhecer.
Num primeiro momento podemos pensar: “nossa, o torcedor santista deve estar de luto”. Ali, na base do reflexo, também pensei isso quando tudo se confirmou.
Mas depois, pensando com calma em tudo que aconteceu de 2009 até este mês de maio de 2013, mudei um pouco o meu modo de ver a história toda.
Na verdade o santista tem que ficar feliz. E muito.
“O quê? Tá louco Dello? O maior jogador do clube depois de Pelé vai embora e você quer que eu fique feliz?”. Sim, exatamente isso. Se refletir um pouco e ler este texto até o final, talvez consiga concordar comigo.
Partamos do princípio de que não existe jogador que fique em uma equipe pra sempre. Se não a Europa, em último caso a aposentadoria vai tirar seu ídolo do seu time algum dia.
“Ah, mas então eu sonhava que ele ficasse até o final da carreira aqui”. Não rola gente. O desgaste na relação é muito grande. Se com o tempo que ficou já tínhamos santistas virando críticos do moleque, imagine daqui a quinze anos. Viraria “vilão”, “dono do time”, “mimado”, “insubordinado” e todas estas coisas que os outros torcedores já acham dele.
Perderíamos um ídolo (sim, já estou conjugando no nós, faço parte disso também).
Quando você tem um ídolo no seu time, provavelmente seja mais importante do que a imagem que ele cria, a que deixa quando se vai.
Pra continuar em Santos, temos o exemplo do Robinho, que ainda é considerado ídolo apenas pelos santistas donos de memórias dignas de portadores de Alzheimer.
O caso Paulo Henrique Ganso então, dispensa comentários.
Edilson no Corinthians, Ronaldinho Gaúcho no Grêmio, Kléber Gladiador no Palmeiras. Daria pra ficar aqui listando dezenas de caras que conseguiram conquistar o amor incondicional de uma grande torcida, deram as costas pra isso e jogaram tudo no lixo por dinheiro.
Uma vez, na saída de algum dos jogos do Santos na Vila Belmiro, um grande amigo meu disse que às vezes queria que o Neymar fosse embora logo para “...não correr o risco de manchar a imagem junto a uma torcida que o ama”.
Pois bem, ele foi embora ainda mais ídolo do que na época desta conversa. Será sempre uma linda e límpida página da história do clube. E este é só o primeiro motivo pro santista estar feliz.
O segundo é o orgulho de ver que mais uma vez fornecemos futebol da mais alta qualidade pro Brasil e pro mundo. Resgatamos no primeiro semestre de 2010 um futebol que o Brasil há muito tempo não via. Ganhamos a América depois de meio século e demos ao mundo o gol mais bonito do ano em 2011. E mais um gol finalista em 2012.
Os rivais, sempre dedicados a diminuir o garoto, eram batidos com uma questão simples. “Mas então me diga, pra você quem é o melhor jogador do Brasil?”
O cara não tinha como responder Ademilson e acabava se rendendo. Não sem antes repetir que Neymar se joga, faz cabelinho, dancinha. Mas, no fim, se rendia.
E com o melhor jogador do País o Santos voltou a ser referência de futebol bem jogado. Legado valiosíssimo, que tem reflexos em todos os setores.
Se ano passado as pesquisas de torcida já conseguiam mostrar o crescimento oriundo da Geração Robinho, em 2020 colheremos os frutos ainda maiores desta Geração Neymar.
As receitas foram multiplicadas por dois (e em alguns casos por três). A exposição na TV nem se compara (até porque praticamente não existia). Colocamos a marca em tudo o que se vinculou ao garoto.
O mundo descobriu que existe Neymar. E lembrou que existe o Santos (enquanto a maioria por aqui segue esquecida ou simplesmente desconhecida pelo planeta).
Agora ele pode ir. Tranquilo, sem ter arranhado em nada sua imagem com a torcida que mais o ama no mundo e tendo colocado o clube que o criou lá no alto. E este é só o segundo motivo de felicidade.
O santista de verdade está feliz também pelo moleque, que se livrou da corja daqui e vai jogar sua bola num lugar melhor.
Não vou discutir desenvolvimento técnico e tático.
Não sei precisar o quanto a defesa do Rayo Vallecano é capaz de desenvolver um atacante.
Mas é senso comum que Neymar será mais feliz neste novo desafio do que estava no Brasil. E isso me deixa também sinceramente feliz.
O santista sofria junto toda vez que Neymar era criticado justa ou injustamente. O moleque passou do dia pra noite de preterido da Seleção na Copa de 2010 a única esperança da de 2014. Poucos perceberam o absurdo que isso representa.
Agora o garoto deve ter um pouco mais de paz. Se era alvo toda quarta e domingo, agora será só quando o Brasil jogar. Já melhora muito as coisas.
Eram de críticas diárias porque ele estava aqui pertinho. E querendo ou não, sobrava pro santista ouvir tudo.
Virou um fardo muito pesado pra ambos. E agora os dois estão livres. Temos aí o terceiro motivo de satisfação.
Também estou feliz por ter vivido mais um período em que o Santos ficou marcado na história do futebol.
Agora que essa era acabou podemos olhar pra trás e relembrar que linda foi a passagem desse moleque por aqui.
Quando sai da Vila Belmiro em 2009 após aquela final de Paulistão contra o Corinthians (é, aquela do gol do Ronaldo), pensei e comentei com amigos que talvez demorasse muito pra aquela equipe estar numa final de novo.
Mal sabia que em 2010 teria que ir ao Pacaembu vencer o Paulistão e viajar até Salvador pra ver o título da Copa do Brasil.
Mal sabia que em 2011 “vingaria” aquela derrota pro Corinthians em nova final do Paulista e realizaria, in loco, o eterno sonho de ver meu time vencer a Libertadores da América (lembra a piadinha de só ter visto Libertadores em preto e branco no Youtube? Pois é, dobra ela em cinco e...).
E mesmo em 2012, já com um time nitidamente enfraquecido, tive novas emoções com o Tri do Paulistão, o título da Recopa e momentos célebres da tentativa de defesa do título da Liberta como o gol de Neymar contra o Inter e a decisão nos pênaltis contra o Vélez.
O 10x0 no Naviraiense, o 9x1 no Ituano, o 8x1 no Guarani, o 6x3 no Bragantino, o 5x0 no Barueri, o 4x0 no Rio Branco, o 3x0 no São Paulo, o 2x1 (Chicão’s hat) no Corinthians. Tudo foi lindo, tudo foi mágico. Tudo com potencial pra virar uma linda história pra se contar.
Mas pra virar história, tem que acabar.
Acabou. Agora todos podem levar esta no coração, emoldurada com o ouro de todos estes seis títulos. E este baita motivo pra ficar feliz ainda não é o último.
Por fim, fico feliz pelo reencontro que está por vir entre o santista e o Santos.
Eu entendo e é super normal se (permitir) alienar um pouco em grandes fases. Quando se tem no time uma estrela do quilate de Neymar, é natural colocar muito foco nele ao invés do time. Por vezes, boa parte da torcida santista pode ter se pego torcendo pelo atleta e depois pelo clube.
Tente aí santista lembrar pra quantos jogos que Neymar não jogou você foi nos últimos quatro anos. Se encher uma mão, já será uma exceção a regra.
Como disse acima, foi tudo ótimo, lindo, incrível. Não estou fazendo crítica alguma a esta era.
Mas agora as (e os) Neymarzetes sumirão, e sobrarão apenas os alvinegros praianos. O fim desta relação impõe o fortalecimento daquela que é ainda mais importante, a do Santos com o santista.
Agora é você e ele. Sem nenhum artifício midiático, só com aquele futebol sofrido e lutador de tempos mais humildes.
O torcedor voltará a discutir o Santos enquanto instituição. Sua direção, suas perspectivas, o quanto esta ficando pra trás nestes tempos de novas arenas...
...e claro, o futebol.
O santista não deve se assustar com esse momento de choque pós-Neymar em que muitos decretarão nosso “fim” (como se isso fosse possível).
Estes mesmos disseram que acabaríamos quando vendemos o Giovanni em 96, ano que antecedeu os títulos do Rio-SP e da Conmebol, e o Robinho em 2005, ano que antecedeu o bicampeonato paulista de 2006-07.
Seguindo a lógica destes “çábios”, em 2014 alguma coisa boa está por vir.
E pra você Neymar, só posso deixar um muito obrigado por tudo e por sempre.
Você vai conquistar tudo lá fora também pelo simples motivo de quem é um jogador bom pra cacete.
E quem é bom pra cacete no que faz, conquista as coisas.
Obrigado pelos gols, pelos dribles, pelas dancinhas, pelos cabelos malucos, pelos títulos, pelo respeito ao clube e a torcida, pela briga com o Dorival, por tudo.
Por absolutamente tudo.
Até pelos erros. Ficava mais fácil de acreditar que você existia mesmo quando errava.
Agora vai lá moleque. Sem medo. Arrebenta
Vai estudar um pouco, aprender outra língua, comer umas paradas diferentes, jogar uma bolinha com a gringaiada.
Sua casa ficará aqui esperando você terminar esse intercâmbio.
Manda umas fotos da Catalunha, deve ser um lugar incrível.
Precisando de qualquer coisa é só gritar. Tem alguns milhões por aqui prontos te apoiar no que for preciso e discutir com quem for por você.
Um abração deste santista (que você deixou) cheio de razões pra estar feliz.